Uma decisão recente do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso (TJMT) trouxe um alerta importante para quem atua no agronegócio e, principalmente, para os credores que enfrentam dificuldades para receber seus créditos de produtores rurais em recuperação judicial.
O Tribunal deixou muito claro que o simples fato de ser casada com um produtor rural não garante à esposa o direito de participar do processo de recuperação judicial. Para estar protegida pelos efeitos da recuperação, a esposa — assim como o marido — precisa comprovar que exerce atividade rural de forma regular e contínua, por pelo menos dois anos, conforme determina a Lei de Recuperação Judicial.
Esse entendimento muda bastante a dinâmica de muitos processos de recuperação judicial envolvendo produtores rurais. Isso porque é muito comum que marido e esposa assinem juntos os contratos de financiamento, CPRs, empréstimos bancários ou garantias reais. Na prática, a assinatura conjunta, por si só, não garante à esposa a proteção da recuperação judicial. Se ela não comprovar que efetivamente exerce atividade rural, fica fora do processo e, portanto, continua sendo devedora, avalista e garantidora das dívidas, sem qualquer suspensão das execuções que estejam em seu nome.
No caso analisado pelo TJMT, ficou evidente que a esposa do produtor rural não conseguiu apresentar nenhum documento que demonstrasse sua atuação individual como produtora rural. O Tribunal destacou que ela não apresentou o Livro Caixa Digital do Produtor Rural (LCDPR), não possuía empregados registrados em seu nome, entregou um balanço patrimonial sem qualquer movimentação contábil e, na sua declaração de imposto de renda, sequer constava a atividade rural, aparecendo apenas como empresária de outro setor. Além disso, a documentação exigida pela Lei nº 11.101/2005, especialmente nos artigos 48 e 51, não foi apresentada de forma adequada.
Esse cenário favorece diretamente os credores. Isso porque, enquanto o marido está protegido dentro da recuperação judicial, negociando prazos e condições de pagamento, a esposa — que não conseguiu entrar no processo — continua sujeita às execuções normais. Os contratos que ela assinou como devedora ou avalista permanecem plenamente exigíveis e o credor tem liberdade para seguir com a cobrança contra ela.
Esse ponto merece atenção redobrada dos credores. Sempre que houver um pedido de recuperação judicial em que o casal figura como devedor, é fundamental que o credor verifique se a esposa, ou qualquer outro familiar coobrigado, tem de fato atividade rural comprovada. Caso contrário, é possível pedir sua exclusão do processo de recuperação e manter as execuções normalmente, inclusive atingindo bens dados em garantia.
A decisão do TJMT precisa ser vista como um precedente importante para o agronegócio. Ela reforça que a recuperação judicial não pode ser utilizada como um escudo absoluto para proteger todo o patrimônio familiar, sem o devido cumprimento das exigências legais. A recuperação judicial exige formalidade, documentação adequada e comprovação real da atividade exercida.
O credor precisa estar atento. Não basta olhar apenas para o produtor rural que está em recuperação judicial. É essencial analisar o contrato, verificar quem são os signatários e identificar se todos realmente têm atividade rural comprovada. Saber disso pode fazer toda a diferença na hora de cobrar um crédito no agro e evitar prejuízos desnecessários.